Por: Sérgio Santana*
Quem de nós, durante uma viagem de avião, nunca sentiu algum desconforto nos ouvidos? Diminuição na capacidade auditiva e até mesmo dor são queixas comuns da maioria dos passageiros (eu mesmo já passei por várias dessas situações…), ainda mais aqueles que vivem em pontes “aéreas”.
Ocorre que o corpo humano foi concebido para viver em altitude e pressão atmosférica ao nível do mar, com alguma tolerância para continuar funcionando regularmente se este limite é excedido para mais (como quando se sobe uma serra, por exemplo) ou para menos (no caso de um mergulho em profundidade rasa).
Entretanto, quando tais limites são ultrapassados, ocorre o disbarismo, distúrbio causado pela alteração repentina no nível de pressão atmosférica ou barométrica.
A explicação para este fato provém da “Lei de Compressibilidade dos Gases”, desenvolvida por dois cientistas que viveram no século 17: o britânico Robert Boyle (1627-1691) e o francês Edme Mariotte (1620-1684), que embora vivessem em países diferentes estavam estudando o mesmo tema e publicaram trabalhos científicos em sequência, com resultados idênticos, o que resultou em que a “Lei de Compressibilidade dos Gases” ficasse conhecida também como “Lei de Boyle-Mariotte”.
O seu enunciado diz que “o volume ocupado por um gás é inversamente proporcional à pressão desse gás, para uma temperatura constante”.
Como já dito acima o corpo humano está envolvido por gases (o ar que respiramos) que penetram em todas as cavidades do organismo (incluindo ouvidos e vísceras).
Como os aviões comerciais precisam voar em grandes altitudes (onde o ar é rarefeito, ou seja, suas moléculas estão mais espaçadas umas das outras, o que facilita o avanço da aeronave), por questões de velocidade, economia de combustível e preservação da sua estrutura, é necessária que seja efetuada uma subida até aquela altitude, provocando aumento nos níveis de pressão atmosférico-barométrica.
Nos ouvidos, o efeito dessa subida é percebido por dor de intensidade variável, sensação de que estão “cheios” e diminuição da audição. É a barotite, uma inflamação do sistema auditivo provocada pela mudança brusca no nível de pressão barométrica. Em casos mais severos, os seus sintomas podem evoluir para queixas de tonturas e vertigens, rupturas, sangramentos e mesmo, nos casos muito graves, desarticulação da cadeia ossicular e lesão da membrana da cóclea.
A barotite é melhor visualizada com o auxílio da imagem abaixo:
Considerando inicialmente o ar existente no ouvido médio durante uma subida, tem-se que o seu volume aumenta e o excesso normalmente sai para o exterior do corpo através da tuba auditiva que se comunica com a nasofaringe.
O aumento do volume de ar força a uma abertura da tuba, levando a que a pressão torne-se normal, ainda que de modo parcial, o que ao menos promove alívio do incômodo.
Na descida, com a diminuição da altitude, o volume de ar será reduzido e o incômodo passará. Entretanto, devemos lembrar que uma descida de modo abrupto também provocará o mesmo incômodo.
Contudo, caso a tuba auditiva se encontre obstruída de alguma forma, o volume de ar sofrerá expansão, forçando o tímpano e a mucosa para o interior da cavidade em algum ponto anterior ao local exato da obstrução. Ao contrário do que acontece na subida o incômodo não será resolvido naturalmente e mesmo a redução do volume de ar forçará a que a tuba continue fechada, o que resulta em dor.
Diante de uma situação assim, deve-se recorrer a artifícios para equalizar a pressão, tais mascar chicletes ou mastigar balas, engolir saliva e simular bocejos.
Se estas atitudes não forem bem-sucedidas é recomendável empregar manobras do tipo “Valsalva” (em homenagem ao médico italiano Antonio Maria Valsava, 1666-1723).
Tais manobras são feitas expirando-se o ar de modo gradualmente forçoso, tapando-se o nariz e fechando-se os lábios, o que provoca a abertura da tuba e promovem a equalização dos níveis de pressão no sistema auditivo.
Deste modo, encontra-se alivio para um problema comum a todos nós, que a cada dia utilizamos mais e mais o transporte aéreo para as nossas atividades.
*Sérgio Santana é Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL) e Pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (PUC-MG)